Ostra sim, mas infeliz...

   Ah, como é bom ler Rubem Alves... As palavras se harmonizam de uma forma que as dores do peito, da vida diária, da alma, ficam menores, enfraquecem-se... Quem já não sentiu vontade de desistir, deixar para amanhã, não ir, não fazer, afinal a felicidade parece estar sempre batendo à porta do vizinho, do outro, mas nunca na nossa. Entra em ação neste momento os famosos ditados populares, "A sorte de uns é o azar de outros", (olimpiense que se preza não perde a oportunidade de falar de Folclore! rsrs), enfim, o pensamento só tem uma direção: a felicidade não é para mim!
       Em uma de minhas conversas virtuais hoje, fui comparada com uma ostra, por me verem fechada em mim. Achei interessante e considero que até evoluí, pois antes era comparada a iceberg! (rsrs). Tentando compreender melhor a essência de tal comentário, deparei-me novamente com este texto de Alves que já conhecia, o qual, não poderia ter aparecido em momento melhor, quão sábio destino! Achei muito egoísmo de minha parte não compartilhar com vocês.
Quem já conhece pode mergulhar nas palavras e reviver o que sentiu a primeira vez que o leu, quem desconhece, aproveite para ser ostra, mas atenção ao detalhe: ostra infeliz! Que possamos fazer o melhor com nossas dores, vamos começar?


Ostra Feliz Não Faz Pérola

"Ostras são moluscos, animais sem esqueletos, macias, que são as delícias dos gastrônomos. Podem ser comidas cruas, de pingos de limão, com arroz,  paellas, sopas. Sem defesas - são animais mansos - seriam uma presa fácil dos predadores.
Para que isso não acontecesse a sua sabedoria as ensinou a fazer casas, conchas duras, dentro das quais vivem.
Pois havia num fundo de mar uma colônia de ostras, muitas ostras. Eram ostras felizes. Sabia-se que eram ostras felizes porque de dentro de suas conchas, saía uma delicada melodia, música aquática, como se fosse um canto gregoriano, todas cantando a mesma música. Com uma exceção: de uma ostra solitária que fazia um solo solitário... Diferente da alegre música aquática, ela cantava um canto muito triste... As ostras felizes riam dela e diziam: "Ela não sai da sua depressão..." Não era depressão. Era dor. Pois um grão de areia havia entrado dentro da sua carne e doía, doía, doía. E ela não tinha jeito de se livrar dele, do grão de areia. Mas era possível livrar-se da dor.
O seu corpo sabia que, para se livrar da dor que o grão de areia lhe provocava, em virtude de sua aspereza, arestas e pontas, bastava envolvê-lo com uma substância lisa, brilhante e redonda. Assim, enquanto cantava o seu canto triste, o seu corpo fazia o seu trabalho - por causa da dor que o grão de areia lhe causava.
Um dia passou por ali um pescador  com seu barco. Lançou a sua rede e toda a colônia de ostras, inclusive a sofredora, foi pescada. O pescador se alegrou, levou-a para sua casa e sua mulher fez uma deliciosa sopa de ostras. Deliciando-se com as ostras, de repente seus dentes bateram num objeto duro que estava dentro da ostra. Ele tomou-a em suas mãos e deu uma gargalhada de felicidade; era uma pérola, uma linda pérola. Apensa a ostra sofredora fizera uma pérola. Ele tomou a pérola e deu-a de presente para a sua esposa. Ela ficou muito feliz..."
Ostra feliz não faz pérolas. Isso vale para as ostras, e vale para nós, seres humanos.
As pessoas que se imaginam felizes simplesmente se dedicam a gozar a vida. E fazem bem. Mas as pessoas que sofrem, elas têm de produzir pérolas para poder viver. Assim é a vida dos artistas, dos educadores, dos profetas. Sofrimento que faz pérola não precisa ser sofrimento físico. Raramente é sofrimento físico. Na maioria das vezes são dores da alma.
 Rubem Alves. 
Quarto de Badulaques LXXV
Correio Popular 12/06/05

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